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E lá se vai mais um agosto

por Nicole Corrêa Roese

Sempre que se aproxima o final do mês de agosto recordo um recurso simbólico utilizado pelas pessoas de mais idade com quem convivi desde minha infância. No entendimento popular, tratava-se de um divisor de águas. Passado agosto era comum respirar mais aliviado na expectativa de viver mais um ano.
Havia um temor com este mês que marcava a saída do inverno. E faço esta menção a partir de uma região da serra gaúcha de tradição e cultura italiana. Uma região com invernos
rigorosos. Mais propícios para doenças respiratórias, o que tantas vezes levavam à morte. Passar pelo tempo de mais um inverno seria uma espécie de extensão do prazo de validade.
Não encontrei dados estatísticos que comprovassem este pensamento, mas era uma referência de esperanças. Tinha validade pela autoridade de quem a transmitia, medida pela experiência de vida somada em anos.
Hoje, dado os avanços da própria medicina, já não ouço esta mesma expectativa. Nem mesmo pela voz de minha mãe e sogra, ambas nos seus 94 anos.
Agosto pode não mais ter este peso, mas a esperança sempre está aí clamando por referências. E cabe a pergunta: onde ancoramos a expectativa de mais um tempo de vida?
A resposta era encontrada em referências que a natureza oferecia. O universo e especialmente a terra, como casa comum, transmitia ensinamentos que a sabedoria popular tinha capacidade de entender. Tempos e movimentos observados na natureza deixavam recados. Davam sentido à vida. Geravam e sustentavam expectativas. Um diálogo hoje abafado pelas ciências e suas tecnologias.
Avançamos na expectativa de vida graças às conquistas tecno-científicas, mas perdemos sentido e significados ao reduzirmos nosso diálogo com a integralidade do universo. A própria ciência, num de seus desdobramentos que é a antropologia, aponta-nos como essência da humanidade esta capacidade de construir sentido para o ato de existir e viver. Especialmente a capacidade de construir esperanças.
E lá se vai mais um agosto, assim como a vida, agora carente de significados. Carente de humanidade.