OUTONO

por Nicole Corrêa Roese

Nossa compreensão da realidade nos faz construir explicações que manifestam entendimentos de uma determinada ordem. Partimos do princípio de que é preciso existir um ordenamento no mundo e na vida para que ela aconteça. Uma demarcação feita por tempos cíclicos. Tempo registrado em calendários e datas. E é impressionante como, em diferentes culturas, a referência maior de conhecimento do tempo é uma leitura construída a partir de algo que está para além do chão que pisamos: os astros. Os entendemos como parte deste nosso mundo e ao mesmo tempo com autonomia em relação a nós. Fator que lhes fornece a legitimidade e autoridade de nos governar enquanto demarcadores de tempos. Nós dançamos ao ritmo de seus movimentos. Sol, lua, estrelas e constelações têm nosso reconhecimento histórico de autoridade e assim governam nosso dia-a-dia.

Astros são esféricos e em seus movimentos a lógica é circular. E cíclica. Tempo não se gasta, não se consome. Não tem início e nem fim. Está constantemente se refazendo.

É nesse vai em vem de tempos que aprendemos também a olhar o ciclo de um ano composto por outros tempos que denominamos de estações. Agora, nesta semana, estamos no período de resgatar um novo tempo, mais conhecido como outono. Chega marcado de simbolismos.

A constatação de que o tempo é uma construção social está no fato de que o tempo não é igual. No hemisfério norte, abrem-se as portas para a primavera enquanto para nós, abrem-se as janelas para o outono.

O movimento do outono também é encantador. O cair das folhas é o convite para um tempo de recolhimento. Um voltar-se para si mesmo. Uma provocação para o desnudar-se. Deixar de lado o encanto da brotação e das flores com o intuito de aprimorar seivas. Preparar-se para um inverno. Que é cíclico. Não desgasta e nem gasta. Antes, pelo contrário: revigora e energiza.

Gosto do outono. Provoca sentimentos. Provoca vida.

A gente só entende isso se estiver numa relação de proximidade com um universo integrado. Os astros dançam num movimento diferenciado. E precisamos enxergá-los.  A flora vai assumindo novos formatos. A própria fauna reage a seu modo.

Só nós, humanos, temos a capacidade de passar insensíveis por este tempo. E então perdemos a noção de que tempo não se gasta e não se consome. Viramos reféns de um tempo que sempre parece nos devorar.