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Alguém que chore pelas crianças

por Nicole Corrêa Roese

Quando, pela primeira vez, recebi a informação de que pessoas eram contratadas para chorar em velórios, fiquei chocado. Nunca esqueci o nome utilizado para esta função: carpideiras. De forma mais comum, mulheres eram remuneradas para amplificar o sentimento de dor causado pela “perda” de alguém. Uma manifestação pública onde a valorização de uma pessoa era mensurada pela expressão de dor nos funerais. Fato com verificação histórica milenar em diferentes culturas, dentre elas egípcias, gregas e romanas. Chegou ao Brasil por mentes de colonizadores europeus.
Sempre soou como algo falso. Uma espécie de compra de sentimentos.
Mas pode-se também olhar por outra perspectiva: chorar a morte era e ainda pode ser uma forma de ressaltar a vida. Um sentimento de perda diante do que é valorizado.
Os velórios constituem este espaço ritual de tornar público tais sentimentos. Da mesma forma as homenagens que se destacam em espaços coletivos.
Nesta semana em que milhões de pessoas dos diferentes continentes acompanharam partidas de futebol pelo Campeonato Mundial de Clubes foi possível também vivenciar um destes momentos de homenagem póstuma. No início das partidas foi solicitado um minuto de silêncio em memória aos dois jogadores portugueses mortos num acidente de trânsito na Espanha. Imagens de pessoas chorando viralizaram em telões e redes sociais. Muitos de nós acompanhamos o gesto. Convidados a fazer parte deste universo de carpideiras.
Com todo o respeito que estas vidas ainda em sua juventude merecem, o gesto também provoca alguns questionamentos que me inquietam.
Conseguimos parar um minuto coletivo em grandes eventos para chorar por ídolos que morreram tragicamente. E não conseguimos parar sequer segundos para denunciar que milhares de crianças e outras pessoas inocentes estão sendo assassinadas em guerras genocidas. Só na Faixa de Gaza calcula-se o assassinato de aproximadamente 20 mil crianças, em menos de um ano. Seguindo estes dados, durante o tempo de uma partida de futebol, 5 à 6 crianças palestinas são vítimas da guerra. E, por elas, não conseguimos parar para chorar. Não existem carpideiras universais. Poucos se somam ao choro de suas mães. Algo está errado.
Muito errado!