Amor Egoísta

por Nicole Corrêa Roese

O título desta provocação requer uma interrogação. Pode o amor ser egoísta?

Santo Agostinho (séc. IV – V), teólogo e filósofo, pronunciou uma expressão que se tornou famosa: “ama e faz o que quiseres”. Por outro lado, recordo ter lido Leon Tolstoi (séc. XIX – XX) que escreveu sobre a importância de não tomar decisões em momentos de amor ou ódio mais intensos. Situações perigosas.

Só para citar dois clássicos do pensamento humano abordando o tema do amor.

Retomo a questão na semana em que muitos de nós nos envolvemos com o dia das crianças. As escolas fazem programações especiais. Pais e mães pensam em demarcar a passagem com presentes, especialmente na primeira década de vida de seus “rebentos”.

Como não amar as crianças? Como não amar os filhos?

Parece-nos algo tão lógico.

E eis que ouço de outro pensador da atualidade a expressão de que nosso amor pelos filhos é um ato egoísta.

A primeira reação é contestar. É de uma lógica natural amar os filhos. Protegê-los e contribuir para que sejam felizes.

Ouvir tal ideia na fala de Ailton Krenak também provoca interrogações. Trata-se de alguém não absorvido pela nossa cultura branco ocidental. Alguém que pensa e fala a partir da tradição indígena.

Aí a contestação arrefece. Há uma outra lógica possível.

Sim, nosso amor pelos filhos pode ser egoísta.

Alguém pode argumentar: nós só queremos a felicidade das crianças ou de nossos filhos mesmo quando não crianças. E como ficamos quando a ideia de felicidade foge de nosso controle? Ou quando a felicidade se resume ao bem estar de alguém a quem nos vinculamos por um laço estreito de sangue?

Nas tradições indígenas de povos originários deste continente, era comum que as crianças não fossem responsabilidade ou propriedade de seus pais biológicos. Ali, acompanhar e desenvolver a vida de crianças é até hoje um ato coletivo, um gesto de amor que vai para além dos pais. Ou um amor que não se ancora em desejos pessoais e domesticados.

Algo para ficarmos atentos: o desejo das crianças tem esta capacidade de romper com paradigmas que tantas vezes nada mais são do que atos de egoísmo doutrinado.