Enchente completou 50 anos e Catarina completou 20 anos, ambas aconteceram no mês de março e praticamente no mesmo dia
Já imaginou você morar em uma localidade distante da região central da cidade e ao sair do seu bairro, ter que deixar o seu carro no caminho e retornar a pé? Imagine você dormindo em sua casa e de repente o vento começa a se intensificar ao ponto de levar a sua casa, tremer prédios e devastar a cidade?
Parece cenas de filme de terror, mas foram momentos vividos por moradores de Torres e da região no ano de 1974 e em 2004. Há 50 anos, uma enchente, inundou diversas áreas do Litoral Norte gaúcho e do Sul catarinense, inclusive há muitos relatos da “enchente de Laguna”. O fato deixou dezenas de mortos e famílias desabrigadas. Trinta anos depois, em 2004, o Ciclone Catarina, o único registrado no Sul do Brasil com força de furacão, atingiu a região e devastou a cidade, deixando rastro de destruição nas cidades.
Mas você sabe o que esses dois casos tem em comum, além de ter destruído as cidades, deixado dezenas de mortos e pessoas desabrigadas? Eles aconteceram na mesma época do ano, alguns dizem que no mesmo dia, pois há registros da enchente no dia 24 de março de 1974 e o Catarina iniciou a sua formação também no dia 24, atingindo a costa até o dia 28 de março de 2004.
ENCHENTE 1974

Um dos principais relatos do fato está no livro Mampituba e Você Juntos Nesta História, da professora Cloreci Ramos Matos. Nele está a descrição do ocorrido pelo Padre Mariano Callegari, hoje Emérito do município de Mampituba.
Callegari relata que teve que deixar o seu carro no caminho e retornar a pé para sua casa.
“Parece que não quer parar de chover. Neste ano novo, aqui em Roça da Estância chove quase diariamente. Hoje de manhã, ao voltar de Torres, onde eu leciono nas quintas e sextas-feiras, fui obrigado a deixar o meu fusquinha no Encruzo do Marçal, pois não era mais possível entrar de condução para Roça da Estância, devido aos rios que transbordaram. Assim, como já fiz centenas de vezes, vim a pé pelos morros”, relata o Padre.
Em outro trecho, ele relata a saída das pessoas de suas casas e que água chegou na porta da igreja ao final da missa daquele dia, que teve a presença de quatro pessoas.
“Às dez horas quando vi que o povo da praça se arrancava, levando crianças, galinhas, leitões, vacas e tudo o que podia, rumo aos morros do fundo da Invernada… Comecei a ficar preocupado. Sendo domingo, bati o sino para celebrar uma missa, enquanto o povo ia fugindo, alguns gritando, outros chorando, outros correndo apressados. A missa foi celebrada com a presença de quatro pessoas: O padre mariano, dona Maria Cecília, a esposa do motorista do ônibus e sua filha pequena. Quando acabei de celebrar a missa que durou quinze minutos, a água do rio da praça de Roça da Estância vinha entrando pela porta da Matriz e invadiu todas as propriedades da praça”, diz o relato de Callegari.

Em outro ponto do relato do Padre, ele conta como chegaram as primeiras notícias após as águas começarem a baixar.
“… somente na terça-feira, elas entraram no leito do rio, donde haviam transbordado. Infelizmente, já na segunda-feira começaram a chegar as notícias mais trágicas: Vila Brocca fora destruída, perdendo 14 casas de moradia e tendo desaparecido diversas pessoas, o encruzo do Marçal em Vila Pereira Lentz, fora demolido pelas águas… E o fusquinha do Padre Mariano fora levado pela correnteza, com os carros da ETEL e a “Brasília do Deoclides Ventura”. O salão paroquial de Vila Brocca foi totalmente destruído. As mesas, cadeiras da igreja de Vila Brocca também foram levadas embora. Um senhor velho chamado Serafim Domingos, não quis sair de casa. Os seus dois filhos, maiores de idade, não suportaram de ver o pai no meio das águas. Embora com a certeza de morrer, eles já estavam a salvo, voltaram para salvar o velho teimoso! Assim morreram juntos: o pai que não quis sair de casa e os dois filhos que tentaram salvar o pai. Em Vila Brocca houve cenas de verdadeiro desespero. “Onde crentes abraçavam a imagem de Nossa Senhora Aparecida e católicos se tornavam crentes” um pai de família vendo sua casa destruída pela pavorosa avalanche de água, e observando que a água destruía todas as suas propriedades revelava a mentalidade mítica do Antigo testamento, gritando e semi louco: “Leva diabo! Que em breve eu vou atrás.”
O site Scielo.br diz que dos 70 mil habitantes, a época, na cidade de Tubarão, no Sul catarinense, 60 mil ficaram desalojados.
CATARINA
De acordo com o portal da Defesa Civil de Santa Catarina, “no dia 27 de março de 2004, os moradores do Sul de Santa Catarina e de parte do litoral norte do Rio Grande do Sul vivenciaram a passagem do primeiro furacão do Atlântico Sul. O fenômeno, que foi batizado oficialmente como “Furacão Catarina”, deixou um rastro de destruição e 11 mortos”. Ainda de acordo com a Defesa Civil catarinense, “ao todo, 14 municípios decretaram Estado de Calamidade Pública e sete, Situação de Emergência na época. Foram 33.165 desabrigados e desalojados e pelo menos 78 pessoas feridas”.
Os prejuízos econômicos foram superiores a R$ 1 bilhão nos dois estados. Mais de um milhão de pessoas foram afetados. Entre as vítimas, dez pescadores perderam a vida, além de um motorista cujo veículo foi atingido pela queda de uma árvore no litoral Sul do Estado.
O Comandante de Socorro do Corpo de Bombeiros Militar de Torres, à época, Sargento Alcindo Dias Kehl, relata o trabalho realizado por sua equipe naquela noite.
“A guarnição inicial, o pessoal que estava comigo naquele dia e noite onde tudo ocorreu, trabalhou sem para por 15 dias. Nós não queríamos nos afastar do ocorrido. Nossas famílias estavam bem pois às atendemos também e assim na compreensão deles todos nós da primeira guarnição de atendimento ficamos tranquilos para atender quantos dias fossem necessários” relata Kehl.
O comunicador da Rádio Maristela, Nataniel Silva, lembra que na tarde do dia 27 de março, um sábado, a emissora realizava uma jornada esportivo e no intervalo da partida o diretor da rádio informou que na noite um furacão atingiria a cidade.
“No intervalo do jogo, o gerente da rádio, Luis Carlos Oliveira, que raramente aparecia na emissora aos sábados, foi ao estúdio para informar que os órgãos de segurança e o Estado pediram para que as pessoas ficassem em casa, para se proteger das consequências dos possível furacão”, relata Silva.

Ele relembra também, que a equipe continuou a transmissão e ao finalizar, retornou a emissora para descarregar os equipamentos e encontrou Oliveira, que relatou um bastidor da reunião que teve com os órgãos de segurança.
“Ele nos contou, que a primeira orientação por parte da Defesa Civil era de evacuação da região. Porém as Polícias Estadual e Federal acharam melhor não, pois iria ser muitos veículos nas estradas e poderia piorar a situação”, conta Silva.
Para registro de data, o Catarina iniciou a sua formação no dia 24 de março, sendo dissipado no dia 28. Entre os dias 27 e 28 atingiu a costa gaúcha e catarinense.
RÁDIO MARISTELA
No ano de 2010, o Vice-presidente da Associação de Ouvintes de Rádio do Ceará, Francisco Djacyr S. de Souza, escreveu para o portal Observatório da Imprensa, que “o rádio é um instrumento de comunicação cujo valor vai além do entretenimento e da informação. Seu papel é forte na concretização da cidadania e na participação dos ouvintes, que podem reivindicar e lutar por seus direitos nas diversas programações radiofônicas do dia-a-dia”.
Nesta linha a Rádio Maristela, cumprindo o seu papel de estar ao lado da comunidade, em ambas as tragédias, a emissora organizou campanha para arrecadação de donativos para os atingidos. Em 1974, o diretor da rádio, Ênio Rosa, relatou a um jornal da época, que o primeiro andar da emissora estava lotado, que a comunidade havia entendido o chamado e tinha colaborado.
Em 2004, a dose se repetiu e nova campanha foi realizada e assim a rádio segue, como foi em 2023, ajudando as pessoas atingidas pelas fortes chuvas no Vale do Taquari. O diretor da emissora, Leonir Alves, diz que ressalta o DNA da 106.1 fm.
“Percebe – se que em todos esses momentos difíceis a importância da Radio Maristela junto à comunidade. Está no DNA da emissora ajudar. Seja em 1974, seja em 2004, ou hoje também. A missão é amenizar a dor e o sofrimento das pessoas”, relata Alves.
Assim, o Grupo Maristela, formado pela Rádio Maristela e o Jornal do Mar, segue na pratica uma das principais missões do jornalismo, que segundo escreveu Vicente Castro para o portal Cultura Alternativa, “é informar, educar e entreter a população, ajudando-a a tomar decisões informadas e a participar ativamente da vida política e social”, nos casos situados, informando a população como colaborar com quem precisava naquele momento.
