Há duas semanas escrevia sobre a mentira tranvestida de verdade. Sinto-me provocado a continuar a conversa agora ilustrando com uma situação que vem me causando indignação. É comum a tentativa de nos atraírem para jogos de azar. Especialmente quando viver em condições economicamente dignas é um desafio que contempla a poucos. Antes de mais nada, é prudente que se destaque aqui o fato de serem considerados jogos de azar aquelas apostas que dependem do fator sorte para ganhar. Como são extremamente mínimos os ganhadores, para a imensa maioria é azar mesmo. Mas vamos ao caso em questão. Está com ampla divulgação uma modalidade de “sorte” em que a pessoa poderá receber a visita de um ilustre animador de plateia entregando “um milhão”. Todo o mês uma família vai virar “familião”. Sempre encenado como se fosse a bondade de um benfeitor batendo à porta de uma família carente de recursos. O fato de contribuir com vinte reais todo o mês é apenas um detalhe quase despercebido. Não existe nenhuma mentira aí. Tudo está explícito. Mas o jeito de expor é a tática do mágico. Mágico não mente. Apenas ilude. E esta é a sua grande arma: iludir sem que as pessoas o percebam. O que o marketing faz é travestir uma mentira com expectativas de verdade: “tu vais ganhar!”. Ou, tu podes ganhar. Mas a verdade maior é a probabilidade e não a exceção. E ainda, na hipótese de a verdade ser a exceção, é algo do qual o participante toma parte como construtor contribuinte e não como contemplado pela bondade de outro. Para que alguém possa ganhar um valor significativo é preciso que milhares acreditem ou ao menos se iludam com uma mentira: “Desta vez eu ganho!”. Caso se transforme numa verdade para todos, ninguém ganha. Estamos em movimento numa sociedade em que o viver se transforma numa estratégia de mágico ou ilusionista. O mágico artista não mente. Mentir é feio. Iludir é arte. Arte que rende milhões ao distribuir ilusões. Ão, ão, ão… é o festival da ilusão.
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