Vivi minha infância numa região produtora de uvas e vinhos. E desde cedo entendi que o tempo, para além das estações, era demarcado pelos meses de colheita e pelos meses de poda. Julho e agosto eram meses para podar e direcionar os parreirais. Depois me orientaram que os meses do ano sem “r” eram os meses propícios para poda de árvores.
Percebi também que podar não é apenas uma questão de estética, muito embora seja um ofício de artistas. É uma arte distinguir o que pode e deve ser podado. Uma espécie de colaboração no processo de vida e produção das árvores.
A natureza não desenvolveu por si um sistema de podas, muito embora seja perceptível que algumas árvores, frutíferas ou não, deixam de alimentar alguns galhos que secam e caem. Observamos também espécies, conhecidas como “caducas”, que se desfazem de suas folhas de forma cíclica. Por um tempo se despem de parte de seus constitutivos para se renovarem com novos brotos.
Penso que a poda, por mais eficiente, sempre é uma intervenção que também gera reações. Nas vinhas ouvíamos e víamos que os galhos que sofriam podas pingavam. E nos diziam que era uma espécie de choro. Mas necessário para que a seiva nova, depois de um tempo de hibernação, também produzisse algo novo. Uvas mais saudáveis e saborosas.
Penso que nossa capacidade de lidar e coparticipar no processo de produção das árvores é uma oportunidade de aprender a lidar com nosso próprio crescimento e amadurecimento. Não somos árvores produtivas, mas temos a possibilidade de nos reinventar enquanto pessoas. Já apontavam alguns filósofos que a nossa existência precede a nossa essência. Não nascemos prontos. Ou então, deveríamos estar sempre prontos a nos reinventar. E isto exige também a capacidade de podar ou despir-se de constitutivos. Desfazer-se de alguns “galhos e folhas” que já nos serviram de identidade.
A nossa seiva de vida exige sempre um rebrotar. Firmeza na relação com as raízes, mas criatividade nas extremidades.
Não é fácil reconhecer e aceitar as “podas” que a realidade nos impõe. Provoca reações. Também de choro. Mas um choro que é a afirmação de que algo está vivo e ansioso para novas aventuras.
Haverá sempre tempo de colheitas enquanto estivermos abertos para os tempos de podas.
TEMPO DE PODAR
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