Home EspecialA “arrumação da casa”: entenda o que está por trás da reforma administrativa em Torres

A “arrumação da casa”: entenda o que está por trás da reforma administrativa em Torres

por Melissa Maciel

A reforma administrativa do governo Delci Dimer propõe corrigir distorções, reduzir gastos e reorganizar a estrutura pública de Torres para viabilizar, até 2027, um concurso que marcará nova fase na gestão de pessoas do município.

Reforma administrativa busca corrigir distorções, reduzir gastos e reorganizar a estrutura pública de Torres | Igor Lins

A decisão de reformar a estrutura administrativa do Município de Torres não surgiu de um plano político, mas de um alerta técnico. Em maio de 2025, o setor de Controle Interno, órgão que atua em sintonia com o Tribunal de Contas do Estado, apontou um crescimento de 7% nos gastos com horas extras em comparação com a média dos últimos anos. O aviso foi direto: se o ritmo fosse mantido, o município terminaria o ano com um aumento considerável na despesa de pessoal.

Diante desse cenário, o prefeito Delci Dimer reuniu secretários e determinou uma redução imediata de 10% nas horas extras. A meta, no entanto, não foi atingida. O quadro revelava algo mais profundo, uma distorção estrutural, onde cargos e funções existiam na prática, mas não na lei. A necessidade de reorganizar o sistema administrativo ficou evidente.

De janeiro a setembro de 2025, o município gastou R$ 3.436.738,67 com horas extras, R$ 712.092,83 em diárias e R$ 765.201,02 em gratificações de comissões remuneradas. Somados, os valores ultrapassaram R$ 4,9 milhões em apenas nove meses.

“O controle interno fez um alerta que não podíamos ignorar”, explica o procurador-geral do Município, Régis Bento de Souza, em entrevista exclusiva ao Jornal do Mar. “A partir daí, o prefeito pediu providências. O que encontramos foi uma série de funções técnicas sem respaldo legal, servidores recebendo horas extras fixas apenas para poder responder por setores que não estavam criados na lei. Isso precisava ser corrigido”, explica Regis.

O PAPEL DA REFORMA ADMINISTRATIVA

A proposta de reforma administrativa enviada à Câmara Municipal, posteriormente retirada de pauta pelo prefeito Delci Dimer na sessão do dia 13 de outubro, em atenção a questionamentos apresentados pela Casa Legislativa e pelos sindicatos dos servidores, Simto e Cepemto, tem como objetivo principal regularizar funções já exercidas na prática e corrigir distorções financeiras acumuladas ao longo dos anos.

Embora o projeto mencione 70 cargos, a maioria deles apenas regulariza funções já existentes, sem impacto adicional na folha, pois substituem pagamentos irregulares de horas extras e gratificações. Cerca de 20% desses cargos estão concentrados nas Secretarias de Saúde e Assistência Social, áreas que historicamente registravam elevado volume de horas extras por ausência de cargos técnicos legalmente constituídos. Outros 20% correspondem a funções adjuntas, destinadas ao assessoramento técnico, uma para cada secretaria, com foco em dar maior agilidade e suporte à gestão administrativa.

Além disso, a proposta cria a Secretaria de Segurança Pública, com oito cargos, e reestrutura pastas como Planejamento e Administração. “Não estamos criando cargos para ampliar despesa, e sim legalizando o que já existe de fato”, destaca Régis. “Se nada fosse feito, o município correria risco de apontamento e devolução de valores por irregularidade administrativa.”

Com a redução de 50% nos gastos com horas extras, diárias e comissões, a economia projetada para o município é de R$ 2.457.016,27 em nove meses, podendo alcançar R$ 3,2 milhões até o final de 2025. Esses recursos representam alívio significativo nas despesas de pessoal e poderão ser redirecionados para investimentos em áreas prioritárias, como infraestrutura urbana e o Hospital de Torres, gerando retorno direto à comunidade.

VALORIZAÇÃO DO SERVIDOR

Um dos eixos centrais da gestão Delci tem sido o investimento contínuo no servidor público. De 2025 a 2027, o governo municipal destinará mais de R$ 10 milhões em reajustes salariais, complementações e benefícios, conforme dados oficiais da Procuradoria-Geral.

O reajuste geral concedido em 2025 foi de 8%, incluindo aumento real e correção inflacionária, o dobro do ganho real acumulado nos oito anos anteriores. O vale-alimentação dos servidores concursados teve reajuste de R$ 70, representando um aumento de 16,18%.

Além disso, o governo implementou pela primeira vez o vale-alimentação de R$ 200 para contratados, medida inédita que injeta recursos diretamente no comércio local. Somados todos os benefícios, o investimento projetado até 2027 é de R$ 10.198.771,09, entre salários, vales e complementações.

“Não tiramos nada do servidor. Pelo contrário, garantimos que ele receba corretamente e com segurança jurídica”, enfatiza o procurador. “O servidor precisa ter a confiança de que seu trabalho é valorizado e que o governo está organizando a casa para proteger o próprio funcionalismo.”

RPPS E A RESPONSABILIDADE FISCAL

Outro ponto sensível é o Regime Próprio de Previdência Social (RPPS), que acumula um déficit histórico de R$ 243 milhões. A gestão Delci assumiu o compromisso de reequilibrar as contas com medidas técnicas e legais.

“Não há desvio, há um passivo que se acumulou ao longo de muitos anos”, explica Régis. “Precisamos aportar 4% a mais do caixa livre em 2026 apenas para manter o pagamento dos aposentados. Isso reduz a capacidade de investimento do município, mas é uma obrigação legal e moral.”

A prefeitura também trabalha em uma reforma previdenciária municipal, que deve escalonar descontos entre aposentados e pensionistas, conforme a renda, e na atualização do cálculo atuarial, para reduzir o déficit em cerca de R$ 100 milhões até o final do mandato.

PLANO DE CARREIRA E CONCURSO

Antes de abrir o edital do concurso público, o governo precisa enfrentar dois pontos estruturais: o plano de carreira da Educação e a reforma administrativa. Segundo o procurador, o plano atual possui distorções que inviabilizariam o concurso, com remunerações desproporcionais e sem equilíbrio orçamentário.

“Se fizermos o concurso sem arrumar o plano de carreira, o município não teria espaço fiscal para contratar. Estamos corrigindo a base para que o concurso saia sólido, sustentável e com cargos bem definidos”, detalha Régis.

Entre as etapas intermediárias também estão a revisão dos estatutos de categorias específicas, como guardas municipais, motoristas, desenhistas e enfermeiros, e a consolidação da lei que cria o turno único, medida que já beneficia 187 servidores, reduzindo carga horária sem perda salarial.

SINDICATOS E LEGISLATIVO

A tramitação do projeto de reforma foi momentaneamente suspensa para incluir contribuições do sindicato dos servidores (SIMTO e CEPEMTO) e dos vereadores. Após duas reuniões com o prefeito Delci e a Procuradoria, foi criada uma comissão tripartite, com representantes do Executivo, Legislativo e Sindicato, para analisar ajustes técnicos e garantir que nenhum direito seja afetado.

“O município precisa se reestruturar, e o sindicato entende isso”, afirmou o presidente do SIMTO, Enoir da Rosa, em entrevista ao Jornal do Mar. “Mas o servidor também precisa ter a certeza de que não será prejudicado. Nosso papel é assegurar que o concurso e as mudanças ocorram com respeito aos direitos adquiridos.” O sindicato acompanha o processo e cobra que a redução de custos venha acompanhada de melhoria nas condições de trabalho.

CONCURSO PÚBLICO ATÉ 2027

A principal meta do governo Delci é realizar o concurso público até 2027, compromisso formalizado junto ao Ministério Público. O acordo, datado de 1º de agosto de 2025, reconhece que a ausência temporária de concurso não configura improbidade administrativa, desde que haja planejamento e cronograma para sua realização, o que já está em execução.

“O ápice da pirâmide é o concurso público”, resume Régis. “Mas não dá para colocar um novo telhado se a estrutura da casa está comprometida. A reforma administrativa é a base de tudo: garante legalidade, transparência e segurança para quem está e para quem vai entrar.”

O processo de “arrumação da casa” avança em várias frentes, com a meta de entregar à população um serviço público mais eficiente, justo e sustentável. E, ao fim desse ciclo, um novo concurso público marcará uma virada de página na história administrativa de Torres, com estrutura regularizada, contas equilibradas e valorização real do servidor.