Torres se torna polo de ILPIs com o envelhecimento populacional, reforçando a necessidade de fiscalização e cuidados especializados.

Aos 85 anos, Ingrid Emmer, que dedicou a vida à causa dos idosos e teve atuação destacada no Conselho Municipal da Pessoa Idosa de Torres, chega a um momento em que também necessita de cuidados especializados. Com os filhos morando em outras cidades, ela busca assistência profissional que atenda às suas necessidades, sem romper os vínculos familiares. Apesar da distância, os filhos permanecem presentes por meio de visitas regulares e contatos telefônicos, garantindo apoio, atenção e afeto contínuos.
Ingrid encontrou no Olivas Residencial Sênior, em Torres, um lar que considera seguro e acolhedor, depois de passar por outras Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs) em que testemunhou negligência, restrição de alimentação, ocultação de medicamentos e até interferência na comunicação com familiares. “Das três ou quatro instituições que eu já estive, eu vi muita coisa errada. Coisas que eu nem posso falar”, relata Ingrid.

A decisão de deixar o apartamento e mudar-se para um residencial geriátrico foi motivada pela perda gradual de mobilidade, atestada por orientação médica. “A cabeça está ótima, mas já não consigo mais andar sozinha como antes… Eu costumava participar de reuniões e eventos, sempre lutando pelos direitos dos idosos”, lamenta Ingrid, destacando a dificuldade de se locomover sozinha atualmente.
Mesmo com a mobilidade reduzida, Ingrid manteve durante a entrevista o olhar voltado ao coletivo, reforçando várias vezes a urgência de o governo municipal criar um Centro de Convivência para os Idosos de Torres, espaço destinado a promover bem-estar, integração e qualidade de vida à população idosa.
Assim como Ingrid, muitos idosos chegam a um momento da vida em que precisam tomar a difícil decisão de buscar cuidados especializados em uma instituição. O envelhecimento populacional é uma realidade crescente e impõe à sociedade o desafio de oferecer atenção, dignidade e políticas públicas adequadas para garantir qualidade de vida àqueles que ajudaram a construir a comunidade.
FISCALIZAÇÃO E PROTEÇÃO
O Rio Grande do Sul é o estado mais envelhecido do Brasil, com 2,19 milhões de pessoas com 60 anos ou mais, representando 20,2% da população. Entre 2008 e 2020, o número de ILPIs mais do que dobrou, passando de 346 para 863, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da Secretaria Estadual da Saúde do RS.
A promotora de Justiça da 2ª Promotoria do Ministério Público da Comarca de Torres, Dra. Dinamarcia Maciel de Oliveira, destaca que a instituição dedica grande parte de sua equipe ao atendimento de denúncias de violação de direitos de idosos em sete municípios: Arroio do Sal, Dom Pedro de Alcântara, Mampituba, Morrinhos do Sul, Torres, Três Cachoeiras e Três Forquilhas.
Segundo ela, a negligência familiar é a principal causa dos problemas, seguida por exploração financeira e maus-tratos. Para proteger os idosos em situação de vulnerabilidade, a Promotoria atua com medidas protetivas extrajudiciais e judiciais, responsabilizando familiares quando necessário.
O Ministério Público também realiza inspeções ordinárias em ILPIs, muitas vezes com apoio da vigilância sanitária municipal. Feitas sem aviso prévio, essas visitas podem resultar em interdições parciais ou totais.
“Recentemente, foi solicitada a interdição parcial de uma ILPI em que os idosos estavam em quartos minúsculos, sem janelas, com forte odor e em condições insalubres. A instituição adequou rapidamente as instalações e hoje está regularizada”, explica a promotora.
Em 2024, no momento das inspeções, havia 308 idosos acolhidos nas 20 entidades oficialmente existentes e visitadas em Torres, Três Cachoeiras e Arroio do Sal. Das 20 entidades existentes na Comarca, 16 estão localizadas na cidade de Torres. Casos de entidades clandestinas também chegam com frequência, e o Ministério Público depende das denúncias e informações da comunidade para agir rapidamente.
Recentemente, o Ministério Público ajuizou uma Ação Civil Pública contra uma ILPI pela cobrança indevida de uma 13ª mensalidade, considerada abusiva por repassar ao idoso encargos trabalhistas da empresa. A decisão judicial sobre a liminar ainda está em análise, e o MP se prepara para recorrer, se necessário.
Para a promotora, a proteção aos idosos é uma prioridade urgente, especialmente diante do envelhecimento acelerado da população e do aumento da expectativa de vida.
“BOOM” DAS ILPIs

A região do Litoral Norte gaúcho aparece entre as que mais cresceram demograficamente no estado, sete das dez cidades com maior aumento populacional entre 2010 e 2022 estão localizadas nessa faixa litorânea. O movimento traz reflexos diretos para Torres, que hoje concentra 16 ILPIs, sendo 14 privadas e duas filantrópicas, todas sem fins lucrativos. Não há instituição pública, mas o município mantém edital de chamamento para compra de vagas, atualmente utilizadas por 12 idosos em quatro residenciais, em geral encaminhados por determinação judicial ou pelo Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), em situações de vulnerabilidade.
A secretária municipal de Assistência Social e Direitos Humanos, Michele Brocca, observa que a fiscalização se dá por meio do Conselho Municipal da Pessoa Idosa, em articulação com a Vigilância Sanitária e o Ministério Público. A certificação municipal é pré-requisito para a emissão de alvarás, e as principais irregularidades ainda encontradas dizem respeito à acessibilidade, número adequado de cuidadores e presença de responsável técnico.
Segundo ela, as demandas da população idosa se concentram em saúde, acessibilidade urbana e transporte, além da criação de um Centro de Convivência (tão sonhado pela dona Ingrid), uma reivindicação histórica do Conselho Municipal do Idoso. “Esse é um projeto que já está pronto e que buscamos viabilizar por meio de editais estaduais e nacionais”, afirma Michele.
DIVERSIDADE DE LARES
Com o envelhecimento da população, muitas famílias enfrentam o desafio de oferecer cuidados adequados a idosos que não podem mais permanecer sozinhos em casa. Em Torres, o Olivas Residencial Sênior, dirigido por Cristina Maria Iocksch e Evandro Miguel Feranti, mostra como um lar geriátrico pode unir segurança, atenção profissional e convívio familiar.
O casal escolheu instalar o residencial na cidade após observar idosos sozinhos passando horas em comércios apenas para socializar. A proposta é oferecer um ambiente familiar, com equipe 24 horas para banho, alimentação, fisioterapia e cuidados médicos, sem restringir visitas ou vínculos afetivos. Os residentes, com diferentes níveis de dependência, mantêm contato constante com familiares e amigos, garantindo bem-estar e estímulo social.
A fundadora do Residencial Longevita, Cheila de Matos Machado, enfermeira especializada em geriatria e gerontologia, reforça a importância de cuidado humanizado. Com duas unidades em Torres, o Longevita atende residentes da cidade e de municípios vizinhos, refletindo a alta demanda regional. A iniciativa nasceu de seu TCC sobre qualidade de vida de idosos em instituições de longa permanência, apresentado em congressos nacionais e internacionais.
Hoje, Torres conta com 16 lares geriátricos, e a procura por vagas continua elevada, demonstrando a necessidade crescente de serviços de longa permanência que combinem assistência profissional e atenção ao convívio social.
A ESCOLHA DA ILPI

Os relatos dos próprios residentes evidenciam a importância da convivência e do respeito à autonomia. Cristina ressalta a necessidade de conhecer bem o local antes de decidir pelo acolhimento.
“É importante visitar em qualquer horário, entender a rotina e saber se o idoso tem liberdade para decidir sobre seu dia a dia. É muito bonito estar em um lugar onde você realmente se sente bem”.
Cheila reforça que cada lar deve atender às necessidades emocionais e físicas do idoso, lembrando que a escolha por uma ILPI muitas vezes surge da dificuldade familiar em oferecer cuidado integral.
Especialistas alertam que a escolha de um lar geriátrico exige atenção a aspectos essenciais:
Estrutura e segurança: verificar a presença de equipe 24 horas, profissionais capacitados e adaptações físicas para mobilidade reduzida.
- Convívio e atividades: garantir que haja estímulos sociais, culturais e físicos, evitando isolamento e solidão.
- Liberdade e autonomia: observar se o residente pode participar das decisões do dia a dia, incluindo horários de alimentação e visitas.
- Relação com familiares: a instituição deve permitir e estimular a presença de familiares, mantendo vínculos afetivos fortes.
- Certificações e fiscalização: verificar registros legais, alvarás, fiscalização do Conselho do Idoso e acompanhamento do Ministério Público.
O envelhecimento populacional e o crescimento do Litoral Norte impulsionam a expansão das ILPIs. A fiscalização rigorosa, profissionais qualificados e centros de convivência são essenciais. Iniciativas como Olivas e Longevita mostram que é possível garantir um envelhecimento digno, ativo e com qualidade de vida, consolidando Torres como referência regional no cuidado aos idosos.