Com tráfego crescente e restrições ao transporte de carga, a ERS-389 enfrenta desafios estruturais que impactam o desenvolvimento do Litoral Norte gaúcho.
A ERS-389, mais conhecida como Estrada do Mar, é uma das rodovias mais simbólicas e movimentadas do Litoral Norte gaúcho. Inaugurada para ser um eixo turístico e de escoamento regional, ela hoje enfrenta um dilema entre sua importância estratégica e os gargalos que limitam o desenvolvimento econômico e urbano dos municípios que corta.
O acidente com morte registrado na semana passada e os dois acidentes desta semana, trouxeram à tona novamente o debate sobre a estrutura da estrada. Com tráfego intenso durante o verão e restrições ao transporte de carga, a via se tornou alvo de críticas de moradores, empresários e trabalhadores que dependem dela diariamente. Enquanto isso, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (DAER) afirma que realiza intervenções anuais e monitora o fluxo para subsidiar estudos de ampliação de capacidade.
CORREDOR VITAL PARA O LITORAL NORTE
Ligando Osório a Torres, a ERS-389 percorre cerca de 90 quilômetros margeando o litoral e interligando alguns dos destinos turísticos mais conhecidos do Rio Grande do Sul, como Capão da Canoa, Arroio do Sal e as praias de Torres.
Criada para desafogar o tráfego da BR-101 e oferecer uma alternativa de deslocamento próxima ao mar, a rodovia ganhou protagonismo na mobilidade regional. Porém, com o passar dos anos, a estrutura concebida há décadas se tornou insuficiente para o crescimento populacional e econômico da região.
Durante a alta temporada, de dezembro a março, quando a população das cidades litorâneas chega a triplicar, a Estrada do Mar se transforma em um corredor congestionado, especialmente entre o viaduto de Curumim e Osório. O fluxo intenso de veículos de passeio, combinado à limitação para o trânsito de caminhões, gera gargalos que comprometem o escoamento de mercadorias, o turismo e a segurança viária.
AS RESTRIÇÕES E OS IMPACTOS ECONÔMICOS
Um dos pontos mais criticados por quem vive e trabalha ao longo da rodovia é a restrição imposta ao tráfego de caminhões. Conforme o DAER, para circular pela ERS-389, veículos de carga precisam de uma Autorização Especial de Circulação (AEC), documento emitido pela Divisão de Transporte de Cargas da autarquia.
O objetivo é evitar sobrecarga e preservar a estrutura da via, mas a medida também gera reflexos diretos na economia regional.
“Essa rodovia impossibilita a evolução dos municípios daqui. Arroio do Sal, as praias do Sul de Torres, todas são prejudicadas. Muitas empresas não colocam suas sedes aqui por conta da restrição pra caminhão”, relatou um trabalhador que utiliza o trecho diariamente. “Além disso, a sinalização é precária, e a infraestrutura, deficiente. No verão, tudo piora, principalmente depois do viaduto do Curumim, até Osório.”
O depoimento reflete uma queixa comum entre empresários e motoristas: a dificuldade logística para abastecimento de comércios, entrega de materiais e deslocamento de cargas. Muitos precisam buscar rotas alternativas pela BR-101, aumentando custos e tempo de trajeto.
DAER DEFENDE MANUTENÇÃO CONSTANTE E PLANEJAMENTO FUTURO
Procurado pela reportagem, o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem informou que realiza intervenções na ERS-389 de forma contínua.
Em nota, o órgão declarou que “vem realizando intervenções todos os anos na ERS-389 buscando qualificá-la. Além disso, o Departamento monitora o crescimento do tráfego para subsidiar estudos visando uma futura ampliação de capacidade”.
O DAER destacou também que o tráfego de caminhões na Estrada do Mar “requer uma Autorização Especial de Circulação – AEC”, conforme regulamentação disponível no site da autarquia.
A justificativa técnica é que o traçado da rodovia, embora largo em alguns trechos, foi projetado para fluxo leve, característico do turismo, e não para o transporte pesado — o que exigiria adequações estruturais significativas para garantir segurança e durabilidade do pavimento.
TRECHO MUNICIPALIZADO EM TORRES
No extremo norte da via, o trecho final da Estrada do Mar, já dentro dos limites de Torres, passou recentemente por um processo de municipalização. Na prática, isso significa que a gestão e manutenção desse segmento deixaram de ser responsabilidade direta do Estado e passaram para o município.
A medida busca dar maior agilidade a intervenções locais, mas também amplia a responsabilidade da administração municipal quanto à conservação e sinalização.
A reportagem procurou a Prefeitura de Torres para comentar a situação e detalhar como está sendo feita a gestão desse trecho, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
INFRAESTRUTURA E SEGURANÇA EM DEBATE
Apesar de ser uma rodovia larga e de visual atraente, margeada por áreas de vegetação e com acessos a balneários, a ERS-389 ainda opera em pista simples. Essa configuração é uma das principais críticas de quem trafega pela via, especialmente pela ausência de trechos de ultrapassagem segura e de acostamentos adequados.
Nos últimos anos, diversos pontos passaram por melhorias pontuais, como recapeamentos e instalação de redutores de velocidade, mas ainda há deficiências em sinalização vertical e horizontal. A iluminação também é limitada, o que aumenta o risco de acidentes à noite ou em períodos de neblina, comuns durante o inverno.
Além disso, o número de acessos irregulares, ligações diretas de propriedades e loteamentos à rodovia, contribui para a insegurança e dificulta o controle de velocidade.
CRESCIMENTO URBANO PRESSIONA A RODOVIA
O avanço imobiliário no Litoral Norte transformou a Estrada do Mar em uma avenida de ligação entre áreas urbanizadas. Em muitos trechos, especialmente em Capão da Canoa, entre os distritos de Capão Novo e Arroio Teixeira, o entorno é dominado por condomínios, loteamentos e comércios que dependem diretamente da rodovia.
Esse adensamento urbano gera novos desafios: o aumento de travessias de pedestres, o tráfego local se misturando ao intermunicipal e a necessidade de mais retornos e vias laterais.
Sem planejamento integrado entre Estado e municípios, as intervenções acabam sendo isoladas e, muitas vezes, paliativas.
SAZONALIDADE E SOBRECARGA NO VERÃO
Durante o verão, o cenário muda completamente. A rodovia se torna o principal eixo de acesso às praias do Litoral Norte, recebendo milhares de veículos por dia.
O aumento repentino da frota em circulação pressiona a infraestrutura existente e multiplica os congestionamentos, principalmente nos horários de pico e nos finais de semana.
Moradores relatam que o percurso entre Torres e Capão da Canoa, que fora da temporada pode ser feito em pouco mais de uma hora, chega a levar o dobro do tempo em dias de movimento intenso.
Em alguns trechos, a lentidão se estende por quilômetros, impactando não apenas o turismo, mas também o transporte de trabalhadores e o funcionamento dos serviços locais.
O PAPEL ESTRATÉGICO DA ERS-389
Mais do que uma estrada turística, a ERS-389 é o elo que conecta economicamente o Litoral Norte ao restante do Estado. Ela dá acesso a polos pesqueiros, áreas de produção agrícola e setores de comércio e serviços que dependem de uma logística eficiente para crescer.
O debate sobre o futuro da via, portanto, extrapola o campo técnico. Ele envolve o planejamento urbano e econômico da região, que, há anos, aguarda investimentos estruturais capazes de acompanhar o ritmo de crescimento local.
Especialistas em mobilidade defendem que, além da manutenção constante, a Estrada do Mar precisa de um plano de ampliação gradual, com duplicações em trechos críticos, construção de vias laterais e melhoria de acessos. A integração com a BR-101 também é considerada essencial para equilibrar o fluxo de veículos de passeio e carga.
O QUE ESPERAR NOS PRÓXIMOS ANOS
O DAER afirma que continua monitorando o crescimento do tráfego e que os estudos técnicos poderão embasar projetos futuros de ampliação. No entanto, ainda não há previsão de obras estruturais de grande porte.
Enquanto isso, os municípios do Litoral Norte seguem pressionados pelo crescimento populacional e pela necessidade de modernizar seu principal corredor viário.
Entre as prioridades apontadas por moradores e lideranças regionais estão:
Melhoria da sinalização e da iluminação pública; Criação de trechos de ultrapassagem segura; Reforço na fiscalização de velocidade e tráfego pesado; Planejamento integrado entre Estado e municípios para expansão urbana ordenada.
UMA RODOVIA QUE REFLETE O LITORAL EM TRANSFORMAÇÃO
A Estrada do Mar é, em muitos aspectos, um retrato do Litoral Norte gaúcho: bela, movimentada, mas carente de estrutura para sustentar o próprio crescimento.
Enquanto as praias se modernizam, novos bairros surgem e o turismo se diversifica, a principal via da região ainda carrega as marcas de um projeto concebido para outra época — quando o litoral era apenas destino de temporada, e não o lar de dezenas de milhares de moradores fixos.
Requalificar a ERS-389 é, portanto, mais do que uma questão de engenharia. É um passo essencial para garantir que o desenvolvimento do Litoral Norte aconteça de forma equilibrada, segura e sustentável.
Foto: Igor Lins