Moradores e empresários cobram mais atenção do poder público e afirmam que a região, que cresce e movimenta o turismo local, segue sem o retorno proporcional em investimentos e infraestrutura básica.
As praias do sul de Torres, conhecidas pela beleza natural, tranquilidade e pela vida comunitária que mistura antigos moradores e novos empreendedores, vivem um contraste doloroso. Enquanto o município se consolida como um dos destinos turísticos mais procurados do Litoral Norte, regiões como Itapeva, Paraíso, Recreio e Santa Helena enfrentam um cenário de abandono. Moradores e empresários locais afirmam que as promessas de melhoria da infraestrutura ficaram no papel, e que as praias, responsáveis por gerar milhões de reais em impostos, seguem sem o retorno proporcional em investimentos públicos.
Buracos nas vias, transporte precário, falta de segurança, iluminação insuficiente e ausência de manutenção básica são queixas recorrentes. A reportagem do Jornal do Mar conversou com representantes das comunidades e constatou que a insatisfação é generalizada. O sentimento, segundo os entrevistados, é de “falta de interesse político”.
MAIS DE 15 MILHÕES EM IMPOSTOS E POUCO RETORNO
De acordo com empresários locais, as praias do sul de Torres geram mais de R$ 15 milhões por ano em impostos municipais, sem contar os valores arrecadados com o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Mesmo assim, o retorno em obras e serviços é quase nulo.
“Falta limpeza, falta manutenção, falta iluminação nas praças, falta até identificar e valorizar as praças que já existem”, relata o empresário Natan da Silva dos Santos, morador da praia Itapeva. “A prefeitura exige que o dono do lote faça calçada para aprovar o projeto de averbação do imóvel, mas a rua continua de chão batido. Me dê tudo e eu não te dou nada, é assim que funciona hoje”, desabafa.
Natan, que cresceu na região e acompanhou as mudanças ao longo das últimas duas décadas, diz que o asfalto chegou “pela metade”, se referendo ao asfalto feito na Avenida Interpraias, entre a praia Estrala do Mar e Paraíso, e que isso é um símbolo do descaso. “Quando há vontade política, as coisas acontecem. Mas o problema é que aqui falta vontade, não dinheiro. Já ouvi de político que aqui tem ‘só 800 votos’, e por isso não vale o investimento. Isso é um absurdo. A gente só quer o básico: calçamento, drenagem e manutenção.”
TRANSPORTE PRECÁRIO E RUAS ESBURACADAS
O drama da mobilidade é uma das principais reclamações dos moradores. O trecho da chamada Interpraias, que deveria ligar com segurança as comunidades do sul do município, está tomado por buracos, no trecho não asfaltado da via, entre a Itapeva e a praia Estrela do Mar. O transporte público sofre com as condições das vias, e veículos particulares também enfrentam prejuízos constantes.
A presidente da Associação de Moradores da Praia Recreio, Andréa Regina Pires Schwarz, descreve a situação como “vergonhosa”.
“Estamos pedindo para a prefeitura o asfalto da Interpraias, porque não tem mais como andar. É buraco por todo lado, o transporte de ônibus vive quebrando, e os carros particulares têm pneus danificados. Tivemos um caso de um morador que passou mal e a ambulância não conseguiu chegar a tempo para prestar socorro”, relata.
Nas praias vizinhas, como Santa Helena, o cenário é semelhante. Segundo Maria Madalena Taron Ortiz, presidente da associação local, “a Avenida Santa Helena está horrível, cheia de buracos grandes. É difícil caminhar, andar de bicicleta ou de carro. Precisamos de mais atenção para essas praias, afinal, aqui também pagamos nossos impostos e merecemos ruas cuidadas.”
OBRAS PARADAS E CALÇAMENTO INCOMPLETO
Outro ponto de frustração entre os moradores é a lentidão e a descontinuidade das obras. O empresário Natan cita o caso da Rua Padre Réus, em Itapeva Sul, onde o calçamento de paralelepípedo foi iniciado há anos, mas nunca concluído.
“Faltam apenas 200 metros para completar o trecho. O que fizeram? Pegaram o paralelepípedo da rua principal e jogaram em outra. Depois, deixaram o material abandonado na calçada. Ficou ali por anos. Recentemente, retiraram tudo e jogaram cascalho no lugar, ao lado da associação. Isso é uma vergonha, ainda mais sendo uma rua onde acontecem festas e eventos com vereadores presentes”, critica.
Segundo ele, a comunidade ouviu rumores de que o local receberia pavimentação com PVS (pavimento intertravado), mas não acredita que isso vá acontecer tão cedo. “É sempre a mesma história: promessa atrás de promessa, e nada muda. Se houvesse cobrança firme das associações e compromisso real do poder público, esse trecho já estaria pronto há muito tempo.”
SEGURANÇA DISTANTE E SENSAÇÃO DE ABANDONO
Além da infraestrutura precária, a falta de segurança preocupa os moradores. A Brigada Militar mais próxima está a mais de 10 quilômetros, o que representa, segundo os relatos, mais de 20 minutos de deslocamento em caso de emergência.
“Isso é tempo demais quando se trata de uma ocorrência grave. É urgente que as praias do sul tenham um posto fixo da Brigada, principalmente no verão, quando a população aumenta muito”, afirma o empresário.
Para ele, a ausência de presença policial fixa amplia a sensação de abandono. “A gente paga impostos, cumpre as regras, mas quando precisa de apoio, o serviço demora. A distância entre as comunidades e o centro de Torres faz com que a resposta seja lenta. Isso não é justo com quem vive e investe aqui.”
POTENCIAL DE CRESCIMENTO IGNORADO
As praias do sul são vistas por muitos como a fronteira de expansão natural de Torres. A região, cercada por áreas verdes e próximas do Parque Estadual de Itapeva, possui grande potencial para desenvolvimento sustentável e valorização imobiliária.
Mesmo assim, segundo os moradores, falta incentivo público e infraestrutura básica. “Hoje, se eu quiser levar um cliente pra conhecer um terreno em Itapeva, eu passo vergonha. É lodo, água parada, buraco, carro subindo na calçada. E é um bairro com um dos maiores potenciais de crescimento de Torres. Falta visão, falta gestão”, lamenta Natan.
Ele reforça que administrar uma cidade exige planejamento e retorno equilibrado de investimentos. “Um bom prefeito precisa pensar como empresário: gerir com eficiência. Se Itapeva Norte gera um milhão e Itapeva Sul mais um milhão em impostos, o mínimo é que parte disso retorne para o próprio bairro. Mas isso não acontece há anos.”
A ESPERANÇA EM NOVOS PROJETOS
Apesar da descrença geral, há pequenas iniciativas em andamento. Um posto de saúde está sendo instalado na região, o que traz expectativa positiva. “Espero de verdade que funcione com eficiência”, diz Natan. “Mas, sozinho, o posto não resolve. Precisamos de um plano completo para as praias do sul: segurança, mobilidade, limpeza e infraestrutura.”
Os moradores reconhecem que o desenvolvimento leva tempo, mas pedem que o poder público trate o tema como prioridade. “Não queremos luxo, queremos dignidade. As praias do sul merecem o mesmo cuidado que o centro da cidade recebe”, resume Andréa Schwarz.
INVESTIMENTOS
A pavimentação da Interpraias saiu do papel após anos de espera da comunidade e já está concluída no trecho entre a Praia Estrela do Mar e Paraíso, atendendo a uma demanda histórica da população local. Com recursos do programa estadual Pavimenta RS, a obra pretende facilitar o deslocamento entre os balneários.
Paralelamente, a Avenida Caxias do Sul, na Praia Paraíso, está quase concluída, com a expectativa de oferecer mais segurança e conforto no tráfego, valorizar os imóveis locais e estimular novos investimentos no sul de Torres.
PREFEITURA
A prefeitura de Torres, por meio da Secretaria de Planejamento e Participação Cidadã, a pedido da reportagem do Jornal do Mar, em nota, informou que, ao longo do ano de 2025, foram alcançados importantes avanços em obras e projetos estruturantes para o município de Torres. Entre as principais entregas e ações, destacamos:
• Execução da obra de pavimentação asfáltica da Avenida Caxias do Sul;
• Pavimentação de 3 km da Avenida Interpraias;
• Execução de ruas em pavimentação com paver nas praias do sul;
• Obra da nova UBS das Praias do Sul em andamento, em ritmo acelerado (“a todo vapor”);
• Projetos de infraestrutura como diversas praças, passarelas, para valorização e requalificação das praias;
• Mais de 20 projetos de pavimentação prontos para execução.
• Projeto da continuação da Avenida Interpraias, ampliando a ligação viária e turística da cidade;
• Conclusão da pavimentação asfáltica da Estrada dos Cunhas, interligando Torres aos municípios vizinhos.
UM PARAÍSO QUE PEDE ATENÇÃO
Entre a beleza das dunas, o som do mar e a hospitalidade de quem vive nas praias do sul de Torres, cresce um sentimento de indignação. Os moradores não pedem privilégios, pedem o básico: ruas transitáveis, transporte confiável, segurança e valorização.
Enquanto isso, o potencial turístico e econômico da região segue sendo desperdiçado. O recado dos moradores é claro: “as praias do sul não precisam de promessa, precisam de gestão.”
