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O frio sociológico

por Nicole Corrêa Roese

Há muitos anos ouvi a ideia de que “o frio é psicológico” numa referência ao pensamento que atribui à questões subjetivas as sensações que uma pessoa experimenta. Em outros termos, o frio só é frio para quem o experimenta como frio. Uma prova seria o fato de que, num mesmo ambiente, algumas pessoas se apresentam vestidas com roupas quentes enquanto outras desfilam com vestimentas de verão. Entendo que cada um de nós já vivenciou situações semelhantes.

Nestes últimos dias estamos envoltos coletivamente por uma onda de frio. Termômetros apontam temperaturas abaixo de zero graus em vários municípios. E também fazemos a leitura de uma “sensação de frio” que joga os números para patamares ainda mais baixos.

Pessoalmente, custo a compreender que a sensação de frio possa ser maior do que a medição do frio. Parece repetir a ideia de que o frio é psicológico na perspectiva de que é medido pelo quanto o sentimos.

Mais do que um dado da psiqué (alma, mente, sentimento, emoção) entendo o frio como uma experiência condicionada ao fator social. Medir o frio por instrumentos como um termômetro é um dado objetivo. Sentir e experimentar o frio está relacionado as condições em que nos submetemos a ele. Pode estar frio, muito frio, mas a experiência em tono de uma lareira, um ar condicionado ou um simples fogão à lenha é diferente da sensação de quem o experimenta num barraco de favela, em áreas alagadas ou sobre um colchão de papelão sob o abrigo de um viaduto ou marquise de uma Igreja. A expectativa de frio para um turista que busca aconchego em hotéis da serra gaúcha ou catarinense é diferente da expectativa de quem, nestas mesmas regiões, precisa acordar para a lida da roça e do campo.

O frio é sim sociológico e é experimentado a partir do lugar social que ocupamos. Enquanto uns o saúdam, outros o amaldiçoam. E apesar de nos referirmos a um fator natural, não podemos naturalizar esta diferença. Muitos adorariam não experimentar o frio, mas não tem opção, porque estão condicionados socialmente. Estão tolhidos desta liberdade enquanto outros gozam do privilégio de pagar altas taxas para divulgar imagens produzidas em lugares gélidos. Pelo simples fato de poderem pagar por isso.

Permanecer “frios” diante de tais constatações é não permitir-se aquecer por relações de solidariedade.