Home EspecialQueda de balão em SC levanta debate sobre turismo aéreo não regulamentado e formação de pilotos

Queda de balão em SC levanta debate sobre turismo aéreo não regulamentado e formação de pilotos

por Anderson Weiler

Balão pegou fogo logo após a decolagem, matando oito pessoas, deixando 13 sobreviventes e levantando muitas perguntas ainda sem resposta.

Anderson Weiler
Melissa Maciel

Um passeio que prometia vistas deslumbrantes sobre os cânions de Praia Grande, no sul de Santa Catarina, terminou em tragédia na manhã de sábado (21). Um balão turístico, com 21 pessoas a bordo, foi tomado pelas chamas enquanto sobrevoava a região e despencou ainda em chamas, deixando um cenário de horror e destruição. O acidente resultou na morte de oito pessoas, e outras 13 sobreviveram com ferimentos.

O acidente reacendeu uma discussão recorrente. Como são formados os pilotos de balão no Brasil e quais normas regulamentam esse tipo de voo?

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) afirmou em nota, na terça-feira (24), que o piloto responsável, Elves de Bem Crescêncio, não possuía a Licença de Piloto de Balão Livre (PBL), exigida para operações de transporte aéreo regular de passageiros. O piloto, conforme nota de seu advogado, possui uma licença RBAC 103 para voo aerodesportista. Além disso, o balão envolvido no acidente não era uma aeronave certificada.

TRAGÉDIA

O balão, operado pela empresa Sobrevoar Serviços Turísticos, decolou por volta das 8h da manhã da comunidade de Três Irmãos, em Praia Grande, em um voo de rotina.

Conforme relatos do piloto, Elves de Bem Crescêncio, o fogo teria começado devido a uma falha em um acendedor portátil, localizado no interior do cesto. As chamas se alastraram rapidamente, obrigando o piloto a iniciar uma descida de emergência e a orientar os passageiros a saltarem assim que o balão tocasse o solo. Com a diminuição de peso causada pelos saltos, o balão voltou a ganhar altitude, ainda em chamas, deixando presos aqueles que não conseguiram pular.

O artefato caiu em uma área rural de Cachoeira de Fátima, na parte alta de Praia Grande, atingindo a vegetação local.

Na última quinta-feira (26), a Polícia Cientifica fez a restituição do acidente, onde foram encontrados o extintor, que não teria funcionado no momento do fogo e também o acendedor, que seria a causa inicial do incêndio.

VÍTIMAS

Das 21 pessoas presentes, oito não resistiram: quatro morreram carbonizadas dentro do cesto e outras quatro ao tentar saltar em queda livre. Entre as vítimas estavam dois médicos, um patinador artístico, um bancário, uma agrônoma, um casal, além de três pessoas levemente feridas que foram retiradas por testemunhas ou pelos bombeiros, que chegaram rapidamente ao local.

Outras 13 pessoas sobreviveram, incluindo o piloto, que foi levado ao hospital com ferimentos leves, assim como parte dos passageiros, que sofreram queimaduras e fraturas.

DENÚNCIA DE IRREGULARIDADE

A Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) confirmou que o balão não era certificado para voos comerciais e que o piloto não possuía licença para transporte de passageiros, apenas autorização para balonismo esportivo.

Conforme a Anac, não há operação certificada no Brasil voltada ao turismo de balonismo; todos os voos ocorrem sob a designação de atividade desportiva, e qualquer transporte de passageiros ocorre “por conta e risco”.

A defesa de Crescêncio, entretanto, alega que ele atua conforme a regulamentação esportiva do balonismo (RBAC 103) e mantém cadastro como aerodesportista, com mais de 700 horas de voo, embora não negue a ausência da licença de Piloto de Balão Livre (PBL). A empresa suspendeu as atividades como medida cautelar após o acidente.

FORMAÇÃO DE PILOTOS NO BRASIL

Diante do cenário, surge a pergunta. Como alguém se torna piloto de balão no Brasil? E por que ainda há operações comerciais sem a devida regulamentação?

Após acidente, expectativa é por regulamentação dos voos comerciais no país

Conversamos com o piloto licenciado PBL, Giovani Pompermaier, que tem 20 anos de experiência e é o atual vice-campeão brasileiro de balonismo. Ele explicou as duas principais formas de se tornar piloto no país:

1. Piloto com Licença de Balão Livre (PBL)

Essa é a formação regulamentada pela Anac. Para obtê-la, é necessário realizar pelo menos 16 horas de aulas teóricas e práticas em uma instituição autorizada. Atualmente, o único centro credenciado pela Anac para formação de pilotos de balão no Brasil é o Centro de Instrução de Aviação Civil (CIAC), em São Paulo.

Após o treinamento, o candidato passa por prova teórica e checagem de voo. Aprovado, recebe a licença PBL, que permite voos privados e, em algumas situações, atuar como instrutor. Esses pilotos operam balões com prefixo PP (privado), os quais têm certificado de aeronavegabilidade experimental, inspeções regulares e seguro obrigatório.

2. Piloto Aerodesportista – Formação simplificada via associações

Para se tornar um piloto aerodesportista, o processo é muito mais simples: basta se cadastrar, via site, em uma das três associações credenciadas pela Anac (CBB, CAB ou ADB), realizar uma prova online e pagar uma taxa. Tudo é feito de forma remota, sem aulas práticas obrigatórias.

Esses pilotos só podem realizar atividades desportivas, conforme o Regulamento Brasileiro de Aviação Civil (RBAC) 103. As aeronaves utilizadas são os balões com prefixo BR, que não possuem certificação de aeronavegabilidade, não passam por inspeções obrigatórias e não têm seguro. Além disso, um balão prefixo BR não está autorizado a sobrevoar áreas populacionais.

Conforme a RBAC 103, sobre regras de operação, item (e), afirma que: “Uma pessoa somente pode embarcar outra pessoa em veículo ultraleve ou em balão livre tripulado sob este regulamento se essa pessoa estiver ciente de que se trata de atividade desportiva de alto risco, que ocorre por conta e risco dos envolvidos, onde operador e aeronaves não dispõem de qualquer qualificação técnica emitida pela ANAC, não havendo, portanto, qualquer garantia de segurança.”

“Hoje, um piloto pode conseguir autorização para voar um balão sem nem mesmo ter colocado os pés em uma aeronave antes. Isso é um absurdo. O processo precisa ser mais rígido, principalmente se envolve vidas humanas”, alerta Giovani Pompermaier.

A maioria dos balões utilizados em operações comerciais no Brasil são do tipo BR, produzidos por fábricas nacionais que seguem padrões técnicos e contam com projetos desenvolvidos por engenheiros especializados. Embora ainda não possuam homologação oficial, esses equipamentos passam por processos de fabricação criteriosos e são reconhecidos por sua qualidade, comparável à de balões fabricados no exterior. No entanto, a formação de pilotos pelo RBAC 103 ainda é considerada simplificada em relação à dos licenciados com PBL.

VOOS SUSPENSOS

Os voos de balão de ar quente em Praia Grande foram suspensos temporariamente até a próxima segunda-feira, 30 de junho. A decisão foi tomada em reunião entre representantes do setor e comunicada oficialmente pela Prefeitura e pela Associação de Voos de Instrução de Balão de Ar Quente (AVIBAQ) na última quinta-feira (26).

O QUE PRECISA MUDAR?

É urgente regulamentar os voos comerciais e fortalecer a fiscalização, com atuação conjunta da Anac e das autoridades policiais. Também estabelecer regras claras para a operação comercial de balões no Brasil.

Enquanto medidas efetivas não forem implementadas, tragédias como a de Praia Grande correm o risco de se repetir em qualquer lugar do país. O balonismo no Brasil precisa ser encarado com responsabilidade e seriedade, antes que novas vidas sejam ceifadas por falhas que poderiam ser evitadas.

Regiões com grande potencial turístico, como as cidades do Litoral Norte gaúcho e do Sul catarinense, correm o risco de perder espaço nesse mercado promissor devido à negligência, ao descumprimento da legislação vigente e ao uso da ausência de regulamentação e fiscalização como brecha para práticas irregulares.

INVESTIGAÇÃO

A Polícia Civil de Santa Catarina e o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa) assinalaram a possível origem do incêndio no em um acendedor reserva, iniciando inquérito para identificar responsabilidades.

Foi informado pela Polícia Civil, na quinta-feira (26), que já ouviu os 13 sobreviventes do voo, além de outras sete pessoas ligadas à operação, e localizou o extintor de incêndio que teria falhado no momento em que as chamas tomaram a aeronave.

Cesto caiu em área de mata na Comunidade de Cachoeira de Fátima, em Praia Grande/SC

Ainda na quinta, foi realizada uma reconstituição do acidente, com apoio da Polícia Científica. O objetivo é compreender a dinâmica da tragédia, mas os detalhes da ação e o horário não foram divulgados. Também já estão concluídos os laudos cadavéricos das oito vítimas e um relatório técnico elaborado por psicólogos da corporação que acompanham o caso, embora o conteúdo desses documentos não tenha sido divulgado à imprensa.

Em paralelo, os investigadores realizam buscas na região para tentar localizar o acendedor portátil que estava no balão, um dispositivo cujo uso não é indicado, segundo alguns pilotos, e que é peça fundamental para esclarecer a origem do fogo.

Em nota, a empresa Sobrevoar declarou que suspendeu as atividades e afirmou que o piloto agiu para salvar todos os ocupantes, seguindo os procedimentos de segurança. A empresa também disse nunca ter registrado acidentes anteriores e reafirmou o compromisso com as normas da ANAC.

REPERCUSÃO

O governador Jorginho Mello decretou luto oficial de três dias, reforçou o apoio governamental às famílias e determinou o envio de equipes de socorro e investigação ao local.

O presidente Lula, em rede social, manifestou solidariedade aos enlutados e colocou a estrutura federal à disposição para amparo às vítimas. A tragédia ganha repercussão internacional como o acidente aéreo mais letal com balão no país desde 2016.

“CAPADÓCIA BRASILEIRA”

Praia Grande, com cerca de 8.270 habitantes, reforça sua vocação para o balonismo devido à proximidade com os cânions gaúchos e catarinenses, que oferecem condições visuais semelhantes às da região turca da Capadócia.

Em dias de clima claro, cerca de 50 balões de grandes dimensões sobrevoam o local; no dia do acidente, 21 de junho, eram cerca de 45 aeronaves que tomaram os céus da cidade.

O balão acidentado, modelo Golfier Balloons G‑32‑13000, era um dos maiores em operação local, com capacidade para até 24 pessoas, e frequentemente se destacava em eventos da área.

HISTÓRIA

O acidente de 21 de junho em Praia Grande foi um dos episódios mais trágicos da aviação leve no país. Exige, a partir de agora, uma revisão rigorosa de como o turismo em balões é conduzido, sem jamais repetir esse sinistro que custou preciosas vidas – muitas delas de profissionais reconhecidos e famílias inteiras. Que o fogo consumido naquela manhã sirva como chama para iluminar mudanças urgentes e efetivas.