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A MORTE E A CERTEZA DA FINITUDE

por Nicole Corrêa Roese

Acompanhei a experiência de dor que envolve a morte na vida de algumas pessoas próximas. Vi o quanto de sofrimento este momento proporciona. Há um entendimento de que não deveria ser assim. Afinal, trata-se de um processo natural pelo qual todos passam.

Encontra-se nas livrarias a obra de uma médica geriatra cujo o título é “A morte é um dia que vale a pena viver”. Confesso que quando me deparei com esta ideia foi algo chocante. Avesso ao que sempre pensei e propaguei. A autora produziu também outras obras escritas e tem se manifestado em palestras. Uma das ideias que está em seu foco de experiência é o atendimento a pacientes que estão sob cuidados paliativos que é quando a expectativa de morte é algo eminente. E precisa ser acompanhado e trabalhado como uma realidade que bate à porta. Aí o choque é menor. É quando a morte se apresenta como uma oportunidade de experiência anunciada e até esperada.

Mas não é esta a realidade para a maioria de nós “mortais”. Quando a morte não avisa e chega de supetão, independentemente da idade, não tem como não sentir um baque que leva à nocaute. E aqui não me refiro especificamente a quem morre, mas a quem fica com o sentimento de perda de alguém próximo. O que conhecemos e relatamos é a experiência de acompanhar a morte de outro. Não temos relatos objetivos de quem morreu. Só se morre uma vez. A nossa experiência é construída e comunicada a partir da morte de alguém próximo que provoca este nocaute. É inegável que o sentimento é de dor. A morte dói em quem fica. Produz cicatrizes profundas. Muitas vezes feridas abertas que não cicatrizam. Por mais que nos preparemos ela chega provocando crise, rompendo planos. Porque não projetamos a morte. Ou então, nosso projeto é adiá-la para mais à frente de forma sucessiva.

As vivências de morte nos falam o que a gente não faz tanta questão de ouvir. Muito da dor tem a ver com os elementos que utilizamos para compreender e tocar a vida. A finitude das coisas que nos cercam é pouco trabalhada. Inclusive a finitude do tempo. Estamos cada vez mais insaciáveis. Queremos sempre mais coisas. Criamos necessidades. Aceleramos o tempo como se ele fosse uma propriedade sob o nosso controle. Até o dia em que nos deparamos com a dura realidade de que ele é, sim, finito. E então dói.

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