Home Especial Vazamento de esgoto pode ser a causa de contaminação da Praia da Cal em Torres

Vazamento de esgoto pode ser a causa de contaminação da Praia da Cal em Torres

por Melissa Maciel

A classificação de praia imprópria para banho foi registrada na Praia da Cal, no dia 19/01/2024, pela Fepam. Novo boletim será emitido hoje

A convite de seu filho, um entusiasta assíduo da Praia da Cal, em Torres, Eloi Braz, uma aposentada residente em Farroupilha, na Serra gaúcha, teve a oportunidade de passar uma semana de férias em Torres. Esta foi a primeira vez que Eloi experimentou as belezas da cidade litorânea, porém, uma surpresa desagradável marcou sua estadia quando se deparou com a placa de sinalização indicando que a Praia da Cal estava imprópria para banho. No mesmo final de semana, a Praia da Cal recebeu a classificação de imprópria, conforme revelado no sexto boletim da temporada 2023/2024 do Projeto Balneabilidade, divulgado pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) em 19 de janeiro.

Eloi Braz, embora tenha achado a cidade encantadora, com uma natureza deslumbrante, lamentou profundamente a condição contaminada do mar nesse local, marcando negativamente seus dias de descanso à beira-mar.

A fisioterapeuta de Campo Novo, Katiuscia Ledur, também experimentou uma surpresa desagradável enquanto descansava na areia da Praia da Cal na manhã de terça-feira, 23 de janeiro, quatro dias após a divulgação da balneabilidade do local. Seus dois filhos estavam se banhando nas águas da Praia da Cal, sem o conhecimento de que as autoridades de saúde pública desaconselham o banho em praias impróprias durante a semana do alerta, que compreende o período de 19 a 26 de janeiro.

“Eu não tinha conhecimento sobre isso. Agora estou preocupada com as crianças. Vejo a importância de investimentos do poder público em ações preventivas para evitar situações como essa durante a alta temporada. É fundamental melhorar a sinalização e a divulgação de informações para preservar a saúde da população e dos veranistas”, alerta Katiuscia.

Foto: Léo Selau | Hoje, 26/01, sexta-feira, será divulgado novo boletim de Balneabilidade

A falta de informação também foi destacada por Katiuscia, pois ela não viu a placa que indicava a condição da Praia da Cal. Ao longo dos cerca de 800 metros de extensão da praia, localizada entre o Morro do Farol e o Morro das Furnas, existe apenas uma placa, situada junto ao calçadão, próxima à entrada do Parque da Guarita.

Com 29 anos de experiência operando um quiosque à beira-mar da Praia da Cal, Neri Juvelino de Oliveira e seu sócio, Eduardo Azevedo, que atua como quiosqueiro há 20 anos, atribuem a situação da Praia da Cal como imprópria para banho a problemas relacionados ao esgoto sanitário da região e à falta de manutenção periódica da rede.

“Não é algo recente. Há anos testemunhamos o descaso com a Praia da Cal. Em períodos de chuva intensa, como na semana passada, a rede não suporta. Desde o anúncio de que a praia está imprópria para banho, notamos uma queda de 50% no movimento na Cal”, lamenta Eduardo.

Almenara Hausen, conhecida como Naná, uma jornalista veranista na Praia da Cal desde a infância, reside lá nos últimos 5 anos e se tornou uma líder na comunidade, buscando atenção do poder público para melhorias no bairro. Segundo Naná, a Praia da Cal está abandonada e enfrenta sérios problemas, como ruas esburacadas, calçadas danificadas, falta de coleta seletiva para o lixo doméstico, entre outros. No entanto, sua maior preocupação é o esgoto cloacal, um problema persistente que afeta não apenas o verão, mas também o inverno, quando a rede apresenta defeitos e extravasa, causando mau cheiro e contaminando o solo.

Naná também alerta para o rápido crescimento urbano, com um número alarmante de empreendimentos sendo construídos na Praia da Cal, sem melhorias correspondentes na infraestrutura local.

“Parece que agora a construção civil de Torres concentra-se na Praia da Cal, com edifícios sendo erguidos sem o recuo necessário, tornando-se verdadeiros elefantes brancos. Já acionamos o Ministério Público, que responsabilizou apenas a Corsan por problemas futuros de esgotamento sanitário”, explica a jornalista, expressando sua indignação e ressaltando a ausência de manutenção preventiva na rede de esgoto sanitário da praia.

POSIÇÃO DA CORSAN

A pedido desta reportagem, a Corsan emitiu uma nota de esclarecimento sobre o caso, na tarde de terça-feira, 23/01. Na nota, a Companhia informa que realiza manutenções e melhorias constantes em suas estruturas. No último domingo, 21, foi instalada uma extensão da rede de esgoto cloacal (proveniente de imóveis) na Rua Bom Fim, na Praia da Cal, com a colocação de uma tubulação de 200 metros, com maior diâmetro, para prolongar a rede coletora do esgoto bombeado para a estação de tratamento.

Além desta obra, no último sábado, 20, uma equipe realizou a limpeza da rede de esgoto, pelos poços de visita, com o objetivo de desobstruir a rede. Foram retirados diversos objetos e entulhos do sistema.

Foto: Léo Selau | Em novembro de 2023 foram notificados 50 imóveis com ligações irregulares em Torres

A Corsan orienta que a população mantenha os cuidados para o bom funcionamento da rede de esgoto cloacal, fique alerta e denuncie ao perceber sinais de possíveis problemas oriundos da má utilização do serviço.

Para identificar ligações irregulares de escoamento de chuvas para as redes de esgoto cloacal, a Companhia fez vistorias, em novembro de 2023, com o uso da técnica de fumaça não tóxica. Foram notificados 50 proprietários de imóveis, e essa atividade segue sendo realizada.

O método de aplicação de fumaça não tóxica nas entradas das tubulações aponta onde há ligação direta da rede pluvial (água das chuvas) à cloacal (esgoto doméstico). Quando verificada a irregularidade, o proprietário do imóvel é notificado e orientado a providenciar a drenagem adequada da água da chuva. No caso da rede pluvial, a responsabilidade não é da Corsan, e sim da prefeitura.

A Corsan esclarece que as redes de esgoto são feitas para receber apenas os dejetos domésticos e, quando o escoamento da chuva é somado a isso, há sobrecarga, causando diversos problemas, como mau cheiro, retorno do esgoto para as residências, rompimento da rede e prejuízos ao meio ambiente. Além da conexão direta de água de chuvas ao sistema de esgoto, outros maus hábitos, como o descarte indevido de lixo e despejo de óleo nas redes de esgotamento sanitário, potencializam os danos.

POSIÇÃO DA PREFEITURA DE TORRES

Na manhã de quarta-feira, 24/01, durante uma entrevista à Rádio Maristela, o prefeito de Torres, Carlos Souza, abordou a questão do impedimento do banho de mar na Praia da Cal até o dia de hoje, 26/01, sexta-feira, data em que será realizada uma nova análise.

Foto: Naná Hausen | A Corsan orienta que a população mantenha os cuidados para o bom funcionamento da rede de esgoto cloacal

O prefeito Carlos enfatizou que o problema não é recente, destacando que ocorrem extravasamentos de esgoto há pelo menos 2 anos. Ele ressaltou que várias notificações e reuniões foram conduzidas junto à Corsan, buscando responsabilização e resolução do problema. Entretanto, segundo o prefeito, a Corsan respondia aos chamados realizando apenas manutenções provisórias e paliativas, mesmo ciente da necessidade de uma intervenção efetiva no local para impedir contaminações por extravasamento de esgoto.

O prefeito Carlos levantou também a suspeita da existência de ligações antigas, consideradas clandestinas, do esgoto doméstico na rede pluvial, destinada apenas ao escoamento de água das chuvas. Ele afirmou ter assinado um contrato aditivo com a Aegea Corsan em dezembro de 2023 e, logo no início de janeiro, solicitou à empresa uma resolução efetiva. A Corsan Aegea respondeu prontamente, realizando obras importantes no local durante o final de semana, coincidindo com a análise da água do mar na Praia da Cal, que revelou um elevado índice de 1723 para Escherichia coli, também conhecida como E.coli, uma bactéria cuja presença abundante na água indica contaminação por fezes, sendo classificada como imprópria para banho.

BALNEABILIDADE DE PRAIAS

De acordo com a Fepam, a balneabilidade é a qualidade das águas destinadas à recreação de contato primário, que são atividades de contato direto e prolongado com a água (banho, natação, mergulho, pesca, etc), onde existe a possibilidade de ingestão.

Para a avaliação, é necessário o estabelecimento de critérios objetivos, que devem se basear em indicadores a serem monitorados e seus valores confrontados com padrões pré-estabelecidos, para que se possa identificar se determinado local é favorável ou não.

Os corpos d’água contaminados por esgoto doméstico, por exemplo, podem expor os banhistas a bactérias, vírus e protozoários. Crianças e idosos, ou pessoas com baixa resistência, são as mais suscetíveis a desenvolver doenças ou infecções após terem nadado em águas contaminadas.

Conforme informações da Fepam, as coletas de água são feitas semanalmente e atendem as resoluções do Conama 274/2000 e 357/2005 (para cianobactérias). O resultado está condicionado a cinco semanas de monitoramento. Se, ao longo desse período, duas ou mais amostras do conjunto apresentarem resultado superior a 800 para E.coli ou, ainda, se a amostra mais recente das cinco avaliadas apresentar resultado maior que 2.000 para E.coli, o ponto será classificado como impróprio. O mesmo ocorre se a contagem de cianobactérias extrapolar 50.000 células.A água é considerada imprópria para banho quando os parâmetros observados atingem os limites definidos pela legislação:

DOENÇAS EM PRAIAS CONTAMINADAS

Doenças transmissíveis por meio de água contaminada são uma preocupação em praias. Embora a maioria das doenças relacionadas ao banho não seja grave, elas podem causar uma variedade de sintomas, como enjoo, vômitos, dores de estômago, diarreia, dor de cabeça e febre.

Além disso, infecções em áreas como os olhos, ouvidos, nariz e garganta também são possíveis. Em praias altamente contaminadas, os banhistas podem estar expostos a doenças mais graves, incluindo disenteria, hepatite A, cólera e febre tifoide.

A contaminação da água pode ocorrer de várias formas, como esgoto não tratado, descarga inadequada de resíduos e poluição causada por atividades humanas. A falta de infraestrutura sanitária adequada e o manejo inadequado dos resíduos são fatores contribuintes para a contaminação da água.

É essencial o monitoramento regular de qualidade da água e para que sejam tomadas medidas que minimizem as possibilidades de contaminação. Os banhistas também devem tomar precauções, como evitar engolir água, lavar as mãos antes de comer e após usar o banheiro, e procurar áreas de praia com melhores condições sanitárias.

A conscientização sobre os riscos associados à água contaminada é fundamental para garantir a segurança e o bem-estar dos frequentadores das praias.

Foto: Reprodução/Adnormas | Água contaminada pode causar uma variedade de sintomas, como enjoo, vômitos, dores de estômago, diarreia, dor de cabeça e febre.